Josinaldo Aleixo*
Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul, é um dos maiores produtores de cana-de-açúcar para etanol daquele estado e, até antes da crise, uma usina ali instalada receberia um investimento público de mais de R$ 600 milhões.
A Brenco, um dos gigantes do setor de etanol com empreendimentos localizados no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, se gaba da geração de empregos e responsabilidade social corporativa. Recebeu, entre o final de 2008 e começos de 2009, financiamentos públicos que somaram mais de R$ 1 bilhão para se expandir no setor sucroalcooleiro.
O distrito industrial de Barcarena, Pará, tem como carros-chefe sete mega-indústrias do setor minero-metalúrgico, sendo o maior complexo da América Latina no beneficiamento de alumina e produção de alumínio. Sua instalação gradativa modificou completamente a paisagem regional, tornando aquele município, há 40 km de Belém, o segundo PIB e a segunda arrecadação do estado do Pará. Suas sucessivas expansões receberam financiamento público.
Altamira, Pará, beira do rio Xingu. É ali que o governo federal quer construir a usina hidrelétrica de Belo Monte. Com o objetivo de gerar cerca de 11 mil kW de energia, a UHE de Belo Monte é uma das joias da coroa do modelo energético brasileiro, tida como a “redenção” do problema da falta de energia para impulsionar o progresso do país.
Nos projetos da Eletronorte, Belo Monte irá gerar milhares de empregos, tornando-se um pólo de desenvolvimento para aquela região do Xingu. Belo Monte contará com dinheiro público – no total, seu custo será, segundo a Eletronorte, de US$ 3,7 bilhões. Estanho porque o custo internacional da energia é de cerca de US$ 1 bilhão por kW instalado, o que daria US$ 11 bilhões.
Com a fusão da Aracruz Celulose e da Votorantim Papel e Celulose, criou-se a maior “papeleira” da América Latina, uma das maiores do mundo. O Brasil é um dos maiores produtores de celulose do mundo devido às extensas plantações de eucalipto financiadas em grande parte com dinheiro público – R$ 5,4 bilhão. Paradoxalmente, a crise beneficiou as “papeleiras” brasileiras, agraciadas com o deslocamento da produção do hemisfério norte para o sul em vistas das condições para lucratividade do capital.
O outro lado do desenvolvimento
No dia 15 de setembro, a aldeia Guarani Kaiowá Laranjeira-Ñanderu, cujos habitantes foram expulsos por ordem judicial, foi queimada até as cinzas na mesma Rio Brilhante, como uma das ameças ao desenvolvimento na região centro-oeste.
Acampados na beira da estrada BR-163, indígenas viram suas casas queimarem e ainda aturaram os terroristas da milícia incendiária a mando dos fazendeiros modernos da região passarem a noite atirando para o alto, rondando o acampamento e jogando os faróis de milha de suas Hilux de luxo sobre as barracas.
A Brenco, em julho de 2009, estava na “lista suja” do trabalho escravo elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O MTE encontrou trabalhadores em situação degradante em Goiás e Mato Grosso. Em 2008, foram registrados 107 autos de infração por violações à legislação, tais como alojamento precário, falta de equipamentos de proteção e transporte irregular.
No dia 15 de abril passado, em Barcarena, ocorreu mais um – dos inúmeros – vazamento de material químico originado no distrito industrial instalado no município, atingindo dezenas de comunidades tradicionais às margens do rio Murucupi. Instalada às margens do rio Pará, a quantidade de água aduzida pelo complexo industrial do alumínio é estúpida – para cada quilo de alumínio, são necessários 100 mil litro de água.
O consumo de eletricidade é imenso e a usina hidrelétrica de Tucuruí foi construída para abastecer as indústrias de alumínio instaladas na região norte (Alunorte em Barcarena e Alumar em São Luis). A energia aí é altamente subsidiada -- Albrás paga US$ 22 por MWh, e Alumar, US$ 26, sendo que o custo de produção é de US$ 38 e US$ 40, respectivamente. Observem a ligação: Belo Monte e Barcarena, tudo a ver! Lembrem-se de Tucuruí.
A usina de Belo Monte causará o alagamento de mais de 100 km de florestas com altíssimo valor para a biodiversidade, inundará ainda vários bairros de Altamira – no total, os atingidos por Belo Monte somarão um montante de 25 mil pessoas. Serão construídas três barragens porque o rio Xingu não viabiliza o ano todo as cheias necessárias para que a usina opere em sua plena capacidade de geração. Todo esse prejuízo socioambiental é para continuar alimentando o complexo de Barcarena – vale ressaltar que é um dos setores mais energia-intensiva do capitalismo aquele produtor de alumínio.
O grosso do papel produzido no Brasil é exportado e as “papeleiras” são gigantes exportadores. A Mata Atlântica onde elas estão instaladas sofreu severos prejuízos -- foi substituída pelo “deserto verde”, grande consumidor de água, terra e florestas. Seus impactos são imensos: desertificação do clima, ressecamento e erosão do solo, diminuição da biodiversidade, super-especialização da atividade produtiva, transformações drásticas da paisagem, rebatimentos sobre os povos e comunidades tradicionais e sobre a agricultura familiar.
Todos os empreendimentos acima citados têm duas características em comum.
A primeira é que todos prometem o progresso – gerar emprego, aumentar o PIB municipal e estadual, prover as prefeituras de meios para aumentar a cidadania das populações. É esse oásis maravilhoso que é prometido ainda hoje em Altamira e região. E em Porto Velho. E no Amazonas. E no Rio Grande do Sul. E no Rio de Janeiro. Mas basta ir até Tucuruí ou às cidades no entorno dos desertos verdes da Votorantim, ou no Mato Grosso do Sul para vermos se isso aconteceu com sustentabilidade, ou seja, ao longo de grande lapso de tempo e com o mínimo – ou nenhum – impacto social ou ambiental. A medida são os pobres.
A segunda coisa é que os empreendimentos são financiados – em todo ou em parte -- pelo BNDES, o “banco do desenvolvimento”. É o braço do Estado brasileiro que, viabilizando fortemente o Capital, acredita estar beneficiando as regiões.
Atingidos pelo BNDES
O que está em questão aqui é o modelo de desenvolvimento implantado no país, um modelo dos anos 1950, disputado pelo PSDB e pelo PT, que gera um “boom” de virtudes em sua implantação para, em seguida, gerar um rosário de consequências indesejáveis e, cada vez, mais inadministráveis.
No meio, os atingidos pelo progresso – aquelas multidões de desalojados e frustrados, que se julgam órfãos do Estado brasileiro, gozadores apenas do soluço de “progresso” que chegou em sua cidade. Os atingidos pelo BNDES se encontrarão no Rio de Janeiro, em novembro próximo, para debater o modelo e suas consequências. Ali, será uma boa ocasião de o Brasil conhecer o Brasil.
Vamos ficar de olho no movimento dos “atingidos pelo BNDES”. Ele propõe uma novidade que é a de tematizar, diretamente, o modelo de financiamento do Estado brasileiro, um tema estruturante.
Geralmente, nossos movimentos sociais tematizam as consequencias do modelo, mas não as estratégias urdidas social e politicamente que o sustentam, desmascarando a lógica de um Estado que, ao contrário do que deseja o pessoal do Bom Dia Brasil, é faccioso e alimentador da desigualdade que promete combater.
*Sociólogo, consultor, militante da economia solidária.
Publicado em 25/09/2009.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Os atingidos pelo "progresso"
Os atingidos pelo “progresso” acelerado
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